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quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

MÁGOA, RANCOR E ÓDIO MATAM A ALMA DE QUALQUER UM

Um dia o Arrebol chega para a vida de qualquer um e é muito
bom que ele seja belo e calmo como este entardecer.

Uma pessoa tem de estar muito, mas muito atenta aos seus conceitos e preconceitos ou, um dia, tornar-se-á prisioneira deles e aí... Minha vida amorosa foi variada e rica - e até hoje ainda não sei a razão disto, visto que sempre fui um "enrolado" com mulheres. Tímido, nunca soube chegar para dar uma "cantada" numa garota. O medo de um fragoroso "não" ou coisa pior sempre me deixava tonto e desorientado só em perceber que ela me atraía e por isto, quando percebia minha atração por uma garota, procurava me manter o mais longe possível dela. No entanto, de algum modo que nunca descobri qual, sempre estive às voltas com alguma ou algumas garotas. Na verdade houve poucos dias em minha vida em que eu estive livre de mulher. Na mocidade houve momentos em que eu mantinha um caderninho com nomes de minhas namoradas e horários de encontros, um trabalho que me enervava, pois eu não era pessoa organizada. Vejam só, eu era tão tímido que escondia até de meus irmãos o tal caderninho e sempre que podia me deixava passar por bobo. Por isto, fui muito gozado não por eles, mas por amigos comuns. Lembro-me que, um dia - era um domingo - eu havia marcado para ir assistir a um filme (Yeller, Meu Melhor Amigo) no já extinto Cine Metro, no Rio de Janeiro, o mais luxuoso dos anos cinquenta e sessenta. Uma hora depois recebo um telefonema de outra de minhas namoradas - eu tinha oito, naqueles dias (e só meu pai sabia disto) - e descuidadamente marco para assistir o mesmo filme e no mesmo horário, também no Cine Metro. Resultado: levei uma bofetada em cada lado do rosto, uma de cada uma das duas, que, furiosas, me deram aquela esculhambação diante da enorme fila de pessoas que se dobravam de rir de meu embaraço. Meu pai, por muito tempo, me gozou daquele fiasco. Só eu não achei graça naquilo... Pelo menos não naquele momento angustioso, pois hoje rio sozinho quando as recordações me vêm à mente.

"Recordar é viver! Eu ontem sonhei com você!"... Mas onde está você, agora?
"Recordar é viver! Eu ontem sonhei com você!"...Mas onde está você, agora?

Recordação... Uma vez li que é só de recordações que vivem os velhos. Se é verdade, então sou um homem velho, muito velho. Gosto de recordar meu passado, o qual sempre me parece divertido, rico e variado quando visto de agora, do alto de meus 71 anos, mesmo naqueles momentos de extremado perigo ou angústia (e foram muitos, graças a Deus). E noto que nunca me prendi nas teias de meus preconceitos ou de meus conceitos, principalmente os que poderiam me levar ao culto da culpa ou da mágoa e do rancor. Não que eu nunca tenha sentido estas emoções más. Sim, algumas vezes odiei com toda a força de meu Ser, assim como algumas vezes alimentei por algum tempo uma grande mágoa em meu peito. Na verdade acredito que todos, em qualquer lugar do mundo, vivenciam isto. Mas sempre reagi contra estas reações disfóricas, pois gosto demais de me sentir bem e feliz comigo mesmo (não é à-toa que sou de Libra e como bom libriano gosto do que é belo e da vida boa). Dizem, também, que nossos adversários e, muitas vezes, nossos parceiros de caminhada, são professores riquíssimos em matéria de lições amargas e indigestas. Eu tive muito tais professores e professoras. Aliás, por toda minha vida eu os tive ao meu lado, diariamente me dando belíssimas aulas de como é  viver com ódio, rancor, mágoa, sentimento de vingança, incapacidade de aceitar críticas ou sugestões para que mudem de atitude, traição, covardia, ferinidade, sarcasmo, malícia etc... Lições assim são raras e quando as temos devemos aproveitar para delas retirar o máximo de proveito sem nunca esquecer de jamais beber de seus venenos. Graças a Deus fui premiado com muitos e bons professores e professoras de todas as reações emocionais citadas, entre outras emoções negras da Alma Humana. Até hoje me pergunto qual é a pior de todas estas "matérias" na Escola da Vida e ainda permaneço em dúvida. Talvez a pior seja o Egoísmo, pois este cega e ensurdece a pessoa contra qualquer coisa que vá de encontro às suas convicções.

Quem é o Espírito que nos olha através da Máscara da Ilusão? Ninguém sabe até quando vai viver com ele...
Quem é o Espírito que nos olha através da Máscara da Ilusão? Ninguém sabe até quando vai viver com ele...

A última destas pessoas é uma mulher. Eu me enganei fragorosamente com ela e pelo período de uma vida inteira temos vivido uma experiência riquíssima de reações emocionais amargas. Costumo dizer que somos vizinhos de vida e nos olhamos de janelas opostas. Ela vê e compreende o mundo a partir de uma óptica estreita e rígida. Em seu modo de ver e compreender a maravilhosa trama da vida humana só há o preto ou o cinza. Não há cores. Para ela se pessoas ou coisas ou processos sociais não acontecerem segundo pensa, estão errados. No início a gente "batia de frente", mas eu cansei disto. Parece que minha vizinha só sabe viver entrando em choque frontal com o outro, mesmo nas mais mínimas coisas. Costumo dizer que ela sempre procura jogar no time contrário ao da gente. Se se diz a ela que o dia está ruim, imediatamente ela rebate que ele está ótimo só para ser do contra. Se se assiste a um capítulo de novela que explora situação delicada de vida, como, por exemplo, está acontecendo agora com a novela A VIDA DA GENTE, e neste capítulo acontece uma situação interessantíssima a respeito de um drama delicadíssimo de um triângulo amoroso, imediatamente ela cai matando em cima da personagem. "Crápula", "sem-vergonha", "imprestável", "enganador" etc... Explico, para quem não assiste à dita novela. Duas irmãs e um irmão. Ele, adotado na família. Um dia ele e a irmã "Ana" descobrem que estão apaixonados. Começam um namoro do qual resulta uma filha. A jovem "Ana" é a irmã mais velha e tem muito apego à mais nova, à qual sempre defende dos ataques da mãe, que doentiamente recusa com verdadeiro ódio a filha mais nova. A tirania da mãe, que se junta à tirania de uma treinadora de Tênis, sufocam "Ana", que tem de viver correndo atrás de um pódio a qualquer custo e a qualquer preço. "Ana" tem uma filha com seu irmão adotivo e a mãe a obriga a ir parir fora do Brasil. Registra a garota como sua filha, para que a gravidez não abale a carreira de Ana etc, etc, etc... Ana, finalmente, se revolta contra esta situação sufocante e junto com a irmã resolvem fugir para a casa da avó. Porém, na estrada, sob forte chuva, o carro dirigido pela irmã e onde ela e a filhinha de meses se encontravam, perde a direção e rodopia na pista. Antes que possam sair do veículo, um caminhão entra na curva e se choca violentamente com o automóvel. "Ana", que tinha retirado o cinto de segurança para se voltar e pegar a filhinha de dentro da cadeira no banco de trás, choca-se várias vezes contra o carro enquanto este dá cambalhotas e termina afundando num lago. "Ana" é retirada com traumatismo craniano e em coma. Assim permanece por longos 6 anos. A criança, sua filha, cresce sob os cuidados da irmã e da avó. As duas aceitam em casa o pai da garota que tinha sido expulso de  casa. O tempo corre. O jovem pai vai aprendendo, com os extremos cuidados da jovem irmã adotiva e da avó, a ser um homem. Incentivado por ela, o rapaz termina a faculdade de arquitetura. A camaradagem de ambos é muito bonita e inocente. A criança cresce sob o cuidado de ambos e cercada pelo amor do casal. Os jovens descobrem, um dia, que se gostam. Todos já não mais têm esperança de que a "adormecida" retorne do longo sono. Casam-se e seguem a vida criando a criança filha do rapaz e da irmã em coma. Mas seis anos depois do desastre, "Ana" desperta. Vai levar um longo tempo para que possa retomar sua vida e, enquanto isto, o casal entra em crise. Uma crise que é incentivada e manipulada pela mãe psicologicamente doente. O rapaz descobre que ainda há amor nele para com "Ana" e está confuso porque está casado e sente que ama sua esposa e também irmã adotiva. Esta, por sua vez, se enche de culpa, a qual é incentivada maldosamente pela mãe, que a detesta e só gosta de "Ana".

O julgamento de minha vizinha a respeito do personagem é cruel: "Ele não presta. Eu já esperava que ele terminasse querendo voltar para a ex. É assim mesmo. Homem não presta. Tudo é traidor, safado e irresponsável. Só vêem xereca na frente. Só pensam com o pênis..." Eu a ouço e me mantenho calado, mas no fundo de meu coração sinto uma enorme pena de minha vizinha. Com certeza ela sofreu uma grande decepção amorosa, mas nem isto justifica guardar tanto ódio no coração, generalizando-o a todos os homens no mundo. Esclareço que ela freqüenta muito minha casa.

Não o defenda! Eu não quero saber! Ele não presta!"
Não o defenda! Eu não quero saber! Ele não presta!"

Minha vizinha não percebe que seu ódio, seu rancor, sua mágoa só faz mal a si mesma e a mais ninguém. Qualquer que seja o tema, a situação, o processo social, enfim, se há um homem metido na história, de saída "ele não presta". E o chato é que minha vizinha também é psicóloga. Devia voltar sua observação para si mesma, antes que para os outros. Se alguém a feriu tão profundamente devia perguntar-se: "O que eu fiz?" Ninguém fere a outro gratuitamente. É preciso que haja um motivo, um estímulo que deflagra a ação do ofensor. A menos que se trate de alguém profundamente desequilibrado, que está jogando água fora da banheira a torto e a direito. Neste caso, tal pessoa deve ser encaminhada para tratamento hospitalar psiquiátrico. Mas se se trata de uma pessoa que vive na situação comum a todos, de quase são quase doente, então, com certeza, seu comportamento agressivo teve um estímulo que partiu de alguém. No caso de minha vizinha o processo foi este: ela deu o estímulo; ele, respondeu. Como psicóloga ela devia compreender que não é correto que se prenda à resposta e, sim, ao emissor do estímulo inicial. Devia saber que a generalização de resposta, quando persistente, indica desequilíbrio psicafetivo.

Prender a Mente a conceitos, preconceitos e crenças é a pior coisa que se pode fazer ao Espírito.
Prender a Mente a conceitos, preconceitos e crenças é a pior coisa que se pode fazer ao Espírito.

Certa feita consegui encontrá-la relaxada e com tato fiz que falasse de sua mágoa. Para meu espanto ela me disse acreditar que tudo se devia a um trabalho de candomblé feito pela "amante" de seu marido. "Você acredita mesmo nisto?" Eu lhe perguntei. E ela me respondeu que sim. Que um par de suas meias tinha desaparecido quando a "safada" havia ido à sua casa e com certeza havia sido ela quem levara aquelas meias para o "trabalho". E não fora somente as meias, não. A "bandida" estivera várias vezes em sua casa e com certeza levara, também, fios de seus cabelos apanhados na escova, no banheiro. Desconfiava até que a "danada" tinha levado pentelhos do marido, pois só assim se explicava o apego dele por ela. "E por que a tal mulher teria feito isto?", perguntei, curioso. E ela me disse com firmeza: "Porque desejava tomar meu marido. E o safado, como todo homem, se deixou enlear por ela. Se ele prestasse não teria cedido ao assédio da sem-vergonha..." Eu me calei. Pela raiva no olhar; pela contração das comissuras dos lábios; pelo brilho assassino nos olhos que se perdiam no vazio diante de si, pude ver que a mulher estava doente. Doente em sua Alma mesma. Ela é violentamente, ferozmente contra o que chama de "traição". A seu ver, o marido a traiu sem-vergonhamente e manteve por anos relacionamento com a "desgraçada". Deixei passar um tempo para, quando a encontrei distraída e desarmada, voltar ao tema. Então, eu lhe perguntei como é que descrevia seu marido. "Um homem trouxa. Um safado, aliás, como todo homem, não é? Basta uma sirigaita se assanhar pro lado dele e ele já vai atrás dela". Então, eu lhe perguntei se seu marido era o que se chama de "mulherengo". E fiz a pergunta porque sei que ele não é nada disto. Ao contrário, é tímido e retraído, assim como eu. Nunca o vi nos campos de pelada, nem nos bares bebericando cerveja e lançando olhares cobiçosos para outra mulher. Está quase sempre em casa, quando não está no trabalho e todo o dinheiro que ganha deixa por conta da esposa. É muito querido por seus filhos e eles são capazes de tudo para o defender. Aliás, tudo o que têm, tudo o que ele comprou, fê-lo em nome dela. A mulher, embora diga que não é apegada a bens materiais, não deixa nada escapar de seu controle e de sua posse. Já o marido é o que se chama de "banana". Não liga para isto e não se apega a bens, ainda que lhe tenha custado muito adquiri-los.

À minha pergunta minha vizinha de vida me respondeu: "Não, ele não é mulherengo, não. Mas é trouxa. E disfarçado como o diabo. Com aquele ar de desinteressado é, na verdade, um assanhado. Eu nunca vou perdoar o chifre que me meteu. Sempre fui honesta. Sempre fui companheira. Sacrifiquei os melhores anos de minha vida em prol dele, sem saber que, por detrás de mim, ele mantinha uma amante". Fiquei calado por um tempo para, então, perguntar de supetão: "Vizinha, se me permite a pergunta, você sempre foi assim, amarga?" Ela me olhou com ar de espanto e respondeu: "Não! Eu era uma jovem inocente, tola, quando me encontrei com ele. Tinha somente 24 anos e não conhecia nada da vida. Ele já vinha de três casamentos fracassados. Sempre por rolo com outras. Outras que terminaram tomando ele das esposas e, depois, perdendo ele para outra bandida". fiquei a olhar para ela, em silêncio. Será que ela não percebia que se definia como mais uma "bandida" na história que me contava de seu homem? Será que não percebia que via seu companheiro como um objeto que qualquer mulher podia tomar para si sem que ele reagisse a isto? Algo sem vida, sem vontade própria, sem dignidade, sem hombridade, sem nada de humano, enfim?

Não mais insisti na conversa e procurei me afastar de minha vizinha de vida. Ela só olha para o lado amargo da vida que supõe que seu marido lhe deu. No seu modo de ver ele tem todos os defeitos e toda a culpa pelas desventuras do casal. Nunca vou saber se realmente ele tinha, teve ou tem uma amante nem me interessa isto. Também nunca irei saber se a tal amante realmente fez trabalhos de Candomblé para tomá-lo da esposa. Mas pelo que observo, ele se mantém calmo e sempre à disposição desta. Às vezes eu o vejo sorri com benevolência dos ataques verbais que ela lhe faz, com verdadeira raiva na voz e na escolha das palavras com que monta as frases. Vez por outra ele lhe dá respostas acres e rebate duramente seus ataques. Então, mostra que aprendeu bem com ela a utilizar malícia e maldade no falar e no escolher as palavras. Ela "capota na curva" rapidinho e se recolhe à sua dor incomensurável, quando, então, chora doridamente e às escondidas. Entretanto, suas lágrimas parecem não abalar o marido, que as ignora solenemente. Mas é raro que rebata os ataques servindo-se das mesmas armas que ela. A maioria das vezes é dócil e indiferente ao comportamento "destrambelhado" de sua esposa. Eu o observo há bastante tempo, pois sou curioso e um experimentador por natureza. E descobri que nele, esta "Natureza" é muito forte. Determinado como o aço, maleável como a água, não se deixa nunca domar. Sabe mover-se psicologicamente com habilidade por entre o emaranhado de ataques que, em outro, causaria um verdadeiro desastre emocional. Defende seu território com firmeza de montanha, embora não seja de modo algum rude, bruto ou violento. Mas percebi que há muito ela morreu dentro dele. Talvez, e eu acredito nisto, ela tenha cometido suicídio ao lhe revelar uma faceta de sua alma que certamente não fez quando os dois apenas namoravam. Vá saber!

Eu não sei como dizer à minha vizinha de vida que ela precisa urgentemente de tratamento psicológico. Também não sei como dizer ao meu vizinho, seu marido, que a ajude nesta empreitada, até porque ela só o aceita como saco de pancada. Realmente, prefiro ficar assistindo ao drama horroroso, que bem podia ser totalmente inexistente se minha vizinha soubesse olhar-se no espelho mágico da Vida, sua própria consciência. Mas sem Egoísmo; sem Egolatria; olhar-se com frieza e admitir que na vida a dois um jamais erra sozinho. O drama deles é comezinho, vulgar e encontrado às carradas entre estas coisas que se dizem "humanos". Mas há uma diferença no caso de minha vizinha de vida: seu homem está ao lado dela por decisão íntima. Talvez por caridade, pois sabe que ela é muito, mas muito fraca dentro de seu ódio e não deseja ter sobre os ombros o peso de sua derrocada se cair fora. Mas até quando permanecerá sendo o burro de carga? O Atlas que sustenta aquele mundo de raiva e rancor? Estou curioso para ver o desfecho disto.

Se meu leitor ou minha leitora vive uma situação semelhante - acredito que entre os quase onze mil que me lêem há com certeza quem o esteja - siga meu conselho de velho psicoterapeuta: primeiro - admita sinceramente, para si mesmo ou si mesma, a parte do erro que lhe toca; segundo - procure ajuda de um bom psicólogo, pois você está necessitando desesperadamente deste profissional. Mas jamais fique envenenando-se de ódio, de mágoa ou de rancor. Estas reações emocionais nunca resolvem dilemas.

Eu garanto.

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