Páginas

sábado, 17 de dezembro de 2011

COMPRAR DIPLOMA. VOCÊ FARIA ISTO?

Em horas de agonia como a que senti, ontem, seria um
alívio olhar para a cidade de Quito, capital do
Equador. Melhor que ver a fria garoa descendo
em uma noite fria e chuvosa.
Ontem, de madrugada, quando, suando em bicas em uma temperatura de 15º C, estava sob uma forte crise de alta pressão e aguardava ou a "partida" ou o remédio fazer efeito e derrubá-la do patamar de 21/19, ouvi, no rádio que escutava bem baixinho para não perturbar os outros que dormiam, algo a respeito de compra de diplomas de nível superior por pessoas inescrupulosas. E aí fiquei a pensar: "Por que se arriscar a tanto? Como alguém pode dizer-se formado em Medicina se nunca pisou numa sala de aula desta especialidade? Ou dizer-se engenheiro e assumir a construção de um edifício sem ter estado um dia sequer dentro da Faculdade de Engenharia?"


Ela é admirada e respeitada porque
faz bem feito o que faz. Merece
o respeito que conquistou.
Não leio nada a respeito de tal comportamento criminoso em outros países, logo, concluo que por lá as coisas não acontecem assim. Quem cursa uma faculdade o faz não porque lhe dá status, mas sim porque se sente motivado para tanto. Geralmente, até onde sei, no exterior as pessoas se voltam para aquilo que fazem bem e gostam de fazer. O diploma universitário é somente uma opção entre tantas outras. Há técnicos que dão banho em engenheiros, assim como há práticos em mecânica que desbancam os que possuem cursos técnicos. Mas fazem o que fazem porque gostam e porque a Sociedade lhes recompensa pelo esforço.
No Brasil é diferente. A pessoa pode até gostar de mecânica de automóveis, por exemplo. Mas se não cursar ao menos uma escola técnica nunca passará de oficinas de subúrbio e nunca será plenamente respeitado pela sociedade. As oportunidades não lhe são oferecidas porque não tem um Diploma Técnico ou Superior. Como se um papel rabiscado por alguém dito "doutor" desse sapiência a outro alguém. Conheço colegas meus que cursaram uma das mais caras faculdades do Rio de Janeiro, junto comigo, na mesma classe e na mesma profissão e nunca deixaram de ser caixas de banco. A Universidade, ainda que fosse a mais competente na época, não conseguiu dar-lhes estofo para exercer plenamente a dura profissão de Psicólogo. Não era a Psicologia o que deviam ter cursado. Talvez, quem sabe? se tivessem cursado Contabilidade ou Economia tivessem encontrado o caminho que deviam ter seguido.
Políticos, no Brasil, têm filhos privilegiados apenas
porque são seus filhos. Não importa a qualidade
da ficha do pai. Ele é Excelência e isto basta.
Mas no Brasil exercer a profissão em que a gente se forma é um parto e um jogo de pôquer. Se se tem pais bem relacionados e se se pertence a uma classe social mais alta, o sucesso na carreira é quase certo. Não se precisa ter sido um excelente estudante (coisa que, nas faculdades brasileiras, é raro). Basta que se possua um Diploma. E se este for de uma Faculdade "chic", reconhecida como "Top" ou próximo disto, então a faca e o queijo estão nas mãos do felizardo. Mas se se "vem de baixo", lutando por si mesmo, galgar um lugar ao Sol é árduo. Tem-se de ser muito bom, ótimo ou excelente para chegar a alguma coisa. A par com isto, um pouco de "sorte", como estar no lugar certo, na hora certa e com a pessoa certa também conta muito.
Uma família maranhense que exemplifica a falta de
oportunidades. Vive como se vivia há dois séculos
atrás e isto graças à corrupção política que domina
aquele Estado.
Por que há quem compre diploma? Porque, acredito eu, o sistema social brasileiro é totalmente falho em oportunidades. Entre nós domina tiranicamente o clientelismo, o apadrinhamento, o elitismo da classe social. Um filho de Magistrado de renome pode matricular-se em uma Faculdade de Direito, só comparecer a 45% de todas as aulas do curso e não terá o que temer. Será graduado porque é filho de "fulano de tal". A mesma coisa se pode dizer de filhos de deputados, senadores, governadores etc... Se o pai é rico as portas se abrem como por encanto para sua prole e os diplomas lhe chegam às mãos às dezenas. Mas se o pai é proletário, então o filho terá de se superar e contar com a sorte para vencer. E depois que se adotou a venda de trabalhos universitários, anunciado vergonhosamente na internet, então é que os filhinhos de papai estão com tudo.
Enquanto esperava o desfecho da crise e pensava como descrevo acima, veio-me à recordação um acontecimento que põe em destaque o que digo. Nós, meus três sócios e eu, tínhamos montado uma clínica na rua Barão do Bom Retiro, no Rio de Janeiro. Era um casarão velho, muito velho. Tinha três quartos ao longo de um corredor que desembocava numa grande sala. A entrada era feita através de uma pequena sala de estar que foi transformada por nós em recepção. Os quartos foram destinados a consultórios. Dois para médicos e um para psicólogos. Nestes, trabalhávamos minha atual esposa e eu. Nosso consultório era modesto, praticamente havia ali quatro poltronas, uma mesinha de centro e um quadro negro, além, é claro de algum enfeite para tornar a sala menos sóbria. Um dia nossa secretária veio-me avisar de que havia uma senhora à espera para um entrevista comigo. Pedi que a introduzisse no consultório e aguardei. A mulher surgiu à porta como uma rainha da Inglaterra. Tinha ouro e jóias da cabeça aos pés e seu vestido, vi logo, era da alta costura carioca. Trajava um chapéu preto que combinava perfeitamente com seus trajes, mas era um tanto inadequado para o momento. Ela parou e olhou chocada para o ambiente e para mim. Tinha uma expressão de surpresa e asco e pareceu hesitar entre entrar ou dar meia-volta e se retirar. Olhava-me com o pescoço distendido para que sua cabeça ficasse alguns centímetros mais alto o que, na sua fantasia, a faria comunicar-me minha insignificância diante de sua opulência. A mulher me irritou de imediato, mas mantive-me controlado e observando-a atentamente. Não lhe estendi a mão nem lhe dirigi a palavra. Ela, depois de um minucioso exame do consultório, pigarreou e me olhou com certo desprezo. "Eu pensava encontrar algo... algo... O senhor compreende, não?" Friamente eu cruzei os braços sobre o peito e lhe respondi com voz monocórdia. "Não". Estava com vontade de pedir que me fizesse o favor de retirar sua figura incômoda de minha frente. Ela, contudo, permaneceu a me olhar com uma interrogação na face. Fiz-me de desentendido e continuei de pé olhando-a com aquela "cara de pedra", isto é, sem qualquer expressão. Então, ela se decidiu. Estendeu-me a mão e me disse: "Sou Fulana de Tal, creio que meu sobrenome o senhor deve conhecer, pois não?" Aceitei sua mão enluvada e lhe respondi secamente: "Não". Ela não se deu por achado. Forçando a entrada, perguntou-me: "Podemos sentar-nos?" Foi contrariado que lhe respondi "Se assim deseja, por favor, sente-se". Ali começou o tratamento psicoterapêutico mais difícil de minha carreira. Eu antipatizava fortemente com a arrogância e a prepotência da dita cuja e sua ferinidade disfarçada em comentários "sociais" ácidos sobre nossa "simplicidade" eram um teste muito difícil para meu temperamento esquentado. Como jamais fui de seguir os parâmetros ditados pela prática de meus colegas, sempre que podia eu agia segundo um pesquisador de laboratório. O outro era o rato e eu o experimentador, aquele que dava o estímulo para obter a resposta desejada de sua cobaia. A mulher se tornou minha rata predileta. Eu queimava os miolos tentando encontrar um meio de quebrar aquele escudo de prepotência e de arrogância. Ela era fraca, muito fraca. Talvez a mais fraca de quantas eu já havia atendido. Mesmo assim, era uma muralha e usava de toda a sua experiência de vida, que não era pouca, e de seus dois diplomas universitários - Filosofia e Sociologia - para terçar armas comigo. Era PhD em Filosofia e, acho que por isto, "tinha o rei na barriga". Certa vez, de propósito, marquei sua consulta para um sábado em que não devíamos atender porque estaríamos envolvidos com a pintura da clínica. E éramos nós que faríamos o trabalho para economizar dinheiro, pois a inflação galopante não nos dava espaço para manobra financeira. O riquíssimo Mercedes da distinta senhora chegou exatamente às 10 horas, como combinado e como sempre seu motorista devidamente enfatiotado desceu para lhe abrir a porta.
Eu estava todo suado e sujo de tinta. Trajava somente um calção e este estava literalmente em petição de miséria. Nossa recepcionista estava branca de susto, pois eu não lhe comunicara a sessão. Ansiosa, ela chegou ao grande salão que nós tínhamos transformado em sala de aula para estagiários, e me disse, sacudindo as mãos: "Dr Brito, aquela senhora ricaça está lá fora. Disse que o senhor marcou uma sessão para hoje!" Confirmei que havia feito isto, para espanto dos outros que trabalhavam comigo, e mandei que a cliente fosse introduzida no consultório. De propósito deixei que me esperasse por aproximadamente 10 minutos. Então, fui atendê-la. Estava muito suado e todo sujo de tinta. Entrei no consultório sem camisa. Só de calção. Ignorei o espanto legítimo da mulher e me sentei no chão, bem diante dela, pedindo-lhe desculpa por isto e lhe dizendo que se sentasse daquele modo na poltrona certamente iria inutilizá-la. A sessão durou duas horas e meia e quando terminou a mulher abraçou-me chorando e me dizendo: "Doutor, quando o senhor se sentou aí eu vi um rato diante de mim. Agora, o rato sou eu. Nunca ninguém me fez ver tão claramente o quanto tenho sido uma inútil na vida. Nunca ninguém me disse tão duramente e tão assertivamente o quanto eu causo asco nos outros. Tenho tantos diplomas, tenho viajado pelo mundo todo, tenho sentado à mesa de reis e dignitários do mundo, mas o senhor está certo: eu sou a pessoa mais solitária da Terra. Não tenho amigos. Hoje, finalmente, eu encontrei aqui aquele que soube me despir. De hoje em diante vou mudar. Não pelo senhor, mas por mim. Eu mereço este sacrifício". Ela ficou mais três anos comigo e quando lhe dei alta era uma pessoa alegre, jovial, simples no trajar e capaz de cativar outros clientes quando se encontrava com eles na sala de espera. 
As posses econômicas e financeiras tornam, ao menos aqui entre nós, as pessoas arrogantes e tolas. Esquecem-se de que "são pó e ao pó voltarão" inexoravelmente. Quantos tolos sonham que um diploma, comprado ou não, vai abrir-lhes as portas da "boa vida"? Quantos tolos se deixam levar por seus egos extremamente reduzidos e agem sem pensar no mal que fazem a si mesmos e ao seu próximo? Ninguém é importante nem respeitado porque tem um diploma, um título, mesmo que o tenha obtido na famosa Harvard. Uma pessoa é importante e respeitada pelo seu conhecimento e por saber como bem servir-se dele em benefício de seu irmão. E isto em qualquer área do Saber humano. Certa vez, conversando com Mestre Wu Chao-hsiang, Monge Shao-lin, Doutor em Aculpuntura pela Universidade de Beijing e Dr em Neurologia por Harvard, ele me disse: "Brito, a Natureza é simples. O Wushu de Tai-Chi é simples. Mas posso dizer que se um combatente sabe somente uma técnica mas sabe-a bem, com perfeita proficiência em seu uso, seja qual seja a Arte Marcial a que se tenha dedicado, ganhará qualquer luta em qualquer situação. Não é a quantidade de técnicas que faz um bom combatente. É sua capacidade em bem saber aplicá-las no momento certo, com a rapidez certa e a precisão correta". Este pensamento pode perfeitamente ser aplicado ao  nosso viver quotidiano. Não são Diplomas que nos fazem sábios. Não é o status social que nos dá distinção e nos faz sinceramente respeitado pelo nosso semelhante. É o que realmente sabemos bem e bem sabemos utilizar que nos proporciona tudo isto...
Ah, se os tolos soubessem disto! Mas não o sabem exatamente porque são tolos, não é mesmo?
Minha crise decresceu. Senti aquele cansaço que só quem passa por esta experiência desagradável sente. O sono pesou. Com dificuldade me levantei e voltei à cama, onde praticamente caí e adormeci. Eram já as 4:40 da madrugada. Logo o dia raiaria e eu queria ao menos ter algumas horas mais de sono... 

Um comentário:

  1. É uma grande verdade. As pessoas têm a falsa ilusão de que diploma resolve tudo mas como diz o escritor, não é um diploma que nos dá realizações e sim, o conhecimento adquirido através do empenho que fazemos para adquirir; aí sim, aliado ao conhecimento, o diploma poderá ajudar naquilo a que cada um se propõe.

    ResponderExcluir