Páginas

segunda-feira, 4 de abril de 2011

ARREPENDIMENTO: O QUE É ISTO?

Nada é mais difícil do que compreender o que seja arrependimento. Você já se arrependeu de algo que fez? Olhe bem para aquilo em seu passado: você realmente se arrependeu? Geralmente as pessoas tomam como arrependimento a vergonha do ato cometido acompanhada de grande premência de desdizer ou desfazer o que disse ou fez. Mas a vergonha esconde atrás de si um apego da pessoa àquilo pelo qual sente esta reação emocional. E a premência de consertar o ato que incomoda esconde atrás de si o temor das conseqüências daquele ato, mais do que uma necessidade sincera de consertar o erro. Mesmo que você consiga reparar seu erro; mesmo que o confesse em praça pública e se veja forçada a enfrentar a reação negativa das outras pessoas, ainda assim, você não se arrependeu realmente. Enquanto a vergonha persistir em seu íntimo; enquanto o agastamento e a recusa de falar daquilo existir em seu íntimo, você não se arrependeu de verdade. E se não se arrependeu, não ganhou nem um cêntimo a seu favor na balança do Karma.
Mas a questão de falar a respeito de seu erro é outro percalço. Falar por quê? Falar com quem? Falar de que modo? Quando digo falar não quero dizer que você deva trombetear seu erro aos quatro cantos do mundo. Não. Isto é incorrer em mais uma corrente kármica, visto que quem o ouvir pode não estar pronto para compreender seus motivos profundos - não somente os psicológicos, mas e principalmente aqueles que são transcendentais. Motivos que vêm de outra existência, pois, quer você queira quer não, todos temos uma longa história de migrações espirituais no infindável girar da Roda do Samsara, também conhecida como Roda das Encarnações.
Veja como é difícil este assunto. A Psicanálise já comprovou há muitos anos que as Identidades das pessoas se servem de um mecanismo de defesa chamado dissociação para suportar um sofrimento que lhe seria intolerável de outro modo. Em que consiste isto? Veja o seguinte exemplo: uma mulher sofreu um estupro. Lutou  como pode contra seu agressor, mas teve suas roupas rasgadas e foi penetrada e usada de todas as formas contra sua vontade. Aquele ato causou-lhe um trauma psicoemocional tão insuportável para o equilíbrio de sua Identidade que ela, primeiramente, reprimiu a lembrança do que viveu. Reprimiu tanto as sensações quanto as cenas ou quadros que compunham o ambiente em que sofreu a agressão violenta. Em linguagem leiga, a mulher "apagou" da lembrança a violência sofrida. Posteriormente, lembrou-se dos quadros e de todo o ambiente; pôde falar com desembaraço sobre tudo, até mesmo sobre o ato e o homem repugnante que o cometeu, mas fala sem entonação emocional, como se aquilo não tivesse acontecido consigo. Totalmente fria; totalmente indiferente; totalmente "superior" ao estupro. O que aconteceu com esta mulher? Ela trouxe de volta à lembrança todos os quadros, todos os cenários do ambiente em que foi violentada, mas não trouxe junto com estas lembranças a intensíssima carga emocional que estava presa a elas. E por que isto? Simples: a carga emocional é temida por sua Identidade que sente que ela pode causar-lhe a própria destruição. Pois bem, é mais ou menos isto o que sucede no caso do arrependimento. Você pode até falar sobre sua ação censurosa, mas o fará como se estivesse "superior" a ela; além dela; quando, na verdade, ela continua dominando sua constelação psicafetiva. Aqui, não é propriamente medo que sua Identidade Individual sente, mas vergonha; uma vergonha que revela seu apego aos fundamentos daquele ato culposo. No fundo, você sabe que cairá em tentação se uma oportunidade surja em que perceba segurança de anonimato na repetição da ação censurosa. E cairá em tentação porque em seu íntimo você ainda se apega ao conteúdo psicafetivo que impregna aquela ação. Não é fácil arrepender-se realmente; sinceramente. O arrependimento sincero causa sofrimento. E nunca é um sofrimento suportável, fácil, transitório. Ao contrário, é um sofrimento profundo porque a consciência do erro cometido não vem da Identidade Individual, não. Vem do Espírito e para este todo erro é causa de sofrimento. E o é porque o erro é como um ferimento nele e todo ferimento dói. Por isto, o verdadeiro arrependimento sempre vem acompanhado por pranto dorido, sofrido, desamparado. Um pranto que reflete o quanto o Espírito de quem errou está mortificado e o está tanto mais quanto maior seja a escravidão da Identidade Individual aos apegos pessoais. Um pranto que literalmente esvazia o espírito e traz, ao fim de toda a dor espiritual, uma sensação de paz consigo mesmo para a pessoa que o chorou. Uma paz que não necessita de que dela se fale, pois é um diálogo íntimo entre a pessoa e seu Espírito. Só uma Testemunha está sempre presente àquele momento sagrado do arrependimento verdadeiro: Ele, O Criador. E Ele não conta o segredo de ninguém a ninguém. É porque é tão difícil conseguir-se o verdadeiro arrependimento que as pessoas vivem angustiadas, esvaziadas de si mesmas, fugindo de seu íntimo, buscando, às vezes, o consolo ilusório das drogas, das noitadas, da aglomeração desesperada sob um palco em que se apresenta um "sucesso" criado pela Mídia e onde o esgar risonho de cada um mascara no outro a dor que lhe vai n'álma. Hoje, vive-se sufocado em um mar de culpa, de auto-acusação e de vergonha de se confessar, ainda que somente a si mesmo, os pecados cometidos. A maioria de nós simplesmente transfere para uma vida futura o desespero da incompetência para se arrepender hoje.
 

Nenhum comentário:

Postar um comentário