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sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

CONTINUANDO A ESTUDAR O DESAPEGO

A Psicologia não se volta unicamente para as pessoas “transtornadas” física, emocional e psiquicamente, não. Aliás, a Psicologia estuda a psique e seus processos, independentemente das condições de saúde da pessoa. Assim, se no artigo passado prendi-me a dar exemplos de pessoas que são drogadictas, desta feita pretendo falar de pessoas consideradas “normais”, saudáveis.
Nota: adictum, no latim = escravo no português. Drogadicta é a pessoa escrava da droga.


O apego é o principal entrave no processo de avanço do indivíduo para a Iluminação ou Conscientização. Deste modo, todos que desejam avançar na senda da Libertação da Roda das Encarnações e, ainda nesta existência, encontrar seu modo de ser feliz, devem compreender o quanto são escravos do apego.
Se você é mulher, abra seu sapateiro e conte quantos pares de sapato você possui. Ou abra seu armário e conte quantos vestidos, ou blusas, calças etc... você possui. Veja destes objetos quanto você deixou de usar há algum tempo, mas mantém ali dentro. Pergunte-se: por que me apego a eles?
Não se dê desculpas esfarrapadas, como “porque um dia posso precisar disto”. Se há muito tempo você não os usa não vai precisar deles tão cedo. Talvez nunca mais. Então, sirva-se destes objetos para dar início ao seu esforço de combater a dependência ao apego.
Retire-os de seu armário ou de sua sapateira e os coloque em um saco ou uma caixa. Depois, vá a algum lugar onde eles possam ser úteis a alguém e os doe. Não mande alguém levá-los. Vá e faça a entrega pessoalmente. Quando estiver realizando este esforço, procure trazer à sua consciência a resistência que há em você para se permitir desfazer-se daquilo. A Psicologia diz que tais objetos estão inseridos em seu meio psicológico, logo, pertencem a você e é por isto que há esta resistência. Tudo bem. Aceitemos esta tese, pois que não se contrapõe à tese do apego. O nome do santo não influi no santo, não é? Um santo está acima da designação que lhe dêem. Apego ou integração ao meio psicológico tanto faz. Aliás, a sentença pode perfeitamente ser a definição do substantivo. Ou seja: o apego é a percepção do objeto como integrante de meu meio psicológico. Pronto. Eis o apego enquadrado na Psicologia.
As raízes do apego estão na imaturidade da Identidade Pessoal do indivíduo. Ou, em outras palavras, estão na exagerada dependência do indivíduo ao meio social. Tais raízes nascem em fontes diferentes, como:
Necessidade de Controlar – todos nós temos esta necessidade. Se não estivermos certos de que controlamos as coisas, os objetos, os seres que se encontram dentro de nosso meio psicológico e de nosso meio social, entramos em ansiedade e insegurança.
Complexo de Inferioridade – todos nós somos inferiores aos processos sociais que nos cercam ou onde estamos inseridos. Muitos de nós, em função disto, sentem-se inferiores ao se comparar com outras pessoas inseridas nos mesmos processos, até porque determinadas convenções sociais lhes impõem isto. É o caso, por exemplo, do faxineiro dentro de uma sala de reunião de diretoria onde senhores engravatados e empaletozados estão reunidos. O faxineiro intimamente se percebe diminuído diante dos emproados senhores diretores empresariais. As convenções empresariais põem em destaque o status social e de poder daqueles senhores, o que, em comparação ao status social e de poder do faxineiro estão muito acima destes. Entretanto, se aquelas pessoas fossem colocadas lado a lado, nuas, os engravatados e o faxineiro, a única coisa que os distinguiria certamente seria a forma de seus corpos. Os dos engravatados tenderiam a ser balofos, dismórficos, enquanto o do faxineiro tenderia a ser harmonioso, forte, sem barriga.
Necessidade de Segurança – as convenções sociais são responsáveis pela maior parcela de insegurança que avassala a pessoa. Por exemplo: se você vai-se encontrar com um Deputado, ou com uma autoridade militar, ou com um expoente da Ciência ou das Artes, procura imediatamente vestir-se de acordo com a  ocasião e em sintonia com aquela autoridade. Ao encontro não vai você enquanto ser humano, mas vai tudo o que a Sociedade impõe ao seu ser social. Vai a pessoa, não o indivíduo. Vai a imagem. Se esta imagem não se achar dentro das convenções, você, indivíduo, tende a se sentir inseguro e ansioso.
E há muitas outras fontes de origem do apego que não vou citar aqui. Quase todas são nascidas na sociedade e em suas convenções. Algumas, porém, têm raízes psicológicas educacionais familiares que constituem transtornos psicafetivos dos quais já falei en passant no artigo anterior. Entretanto, se você mantiver em sua mente a idéia de que seu Eu Superior não é o somatório das convenções sociais, mas sim algo que deve sobrepor-se a elas, então poderá realizar o esforço que lhe indico.
Depois do exercício de doar o que lhe sobra em bens, comece a doar o que também lhe sobra em valores inúteis. Por exemplo: você torce por um time de futebol e chora e se desespera e entra em depressão ou tristeza quando ele perde? Excelente! Lute contra isto. Esforce-se para não mais valorizar este apego. Não vá aos jogos; não os assista pela televisão ou pelo rádio; não adquira nada que tenha o símbolo do time... Enfim, mate o time dentro de você.
Você é do tipo que adora uma dupla sertaneja e não perde um show da dita cuja? Ou é do tipo que idolatra os Beatles, ou o Elvis Presley ou outro “ídolo” qualquer da música popular? Do tipo que participa de todos os shows de seus ídolos e, à noite, sozinho, com muita freqüência se sente vazio, sem estofo e inquieto? Excelente! Doe tudo o que possui destes ícones sociais fabricados. Recuse-se a ir aos shows de tais ídolos. Não os veja pela TV e não adquira mais qualquer objeto que diga respeito a eles. Em outras palavras, mate este ídolo dentro de você.
Enfim, se você se apega a qualquer coisa socialmente fabricada, lute contra seu apego a esta coisa. Mate-a dentro de si. Vou-lhe contar duas ocorrências do tempo em que eu praticava a psicoterapia.
A primeira: Na década de 80, uma senhora de mais ou menos 56 anos, empregada pública de alto nível na administração estadual, ia ao meu consultório toda coberta de jóias caríssimas e chegava lá em carro com motorista particular. Suas roupas eram feitas por estilista de nome na alta costura; seus sapatos eram importados de lojas nos Estados Unidos, na França ou na Inglaterra. Ela era uma vitrine ambulante. Meu consultório ficava na rua Barão do Bom Retiro, nº 133, no Rio de Janeiro, na época. Na verdade, era uma sala simples dentro do velho casarão que nós – eu e meus sócios – tínhamos alugado para montar nossa clínica médico-psicológica. A dita senhora entrou em meu consultório pela primeira vez com um olhar de asco que me irritou profundamente. Ao contrário do que manda a práxis da prática psicoterapêutica, eu nunca me furtei às minhas reações emocionais. Se tinha de chorar com a história triste de um cliente, eu chorava com ele ou ela livremente. Se tinha de me zangar com a falsidade de um cliente, eu me zangava com ele ou ela francamente. Nunca abdiquei de mim. Nunca fui o doutor. Eu sempre fui eu e sempre fiz da prática terapêutica um campo de pesquisa. Meus clientes eram mais cobaias de minhas idéias a respeito da psicoterapia e dos mecanismos psíquicos do ser humano, que propriamente clientes segundo a práxis psicológica.
Aquela senhora e sua olhar de censura pela simplicidade e pobreza de meu consultório realmente me irritou. Olhei-a carrancudo e ela notou meu olhar. Pigarreou e se sentou como sentaria a Rinha de Sabá. Cruzou as pernas de modo estudado e me olhou do alto de sua arrogância. Finalmente, falou. “Eu pensei que isto aqui fosse mais... mais... estiloso, se me permite dizer”. Permaneci propositadamente olhando-a nos olhos em silêncio por um tempo calculado. O suficiente para que ela desviasse os olhos dos meus. Então, estendi a mão em direção à porta e lhe disse: “Se este ambiente não é digno de sua pessoa, por favor, vá embora e me desculpe não poder dar-lhe algo à sua altura”. A mulher me olhou espantada. “Desculpe-me. Não queria ofendê-lo.” Não dei atenção ao seu pedido falso de desculpa e lhe perguntei: “Por que me procurou? Como descobriu minha humilde clínica e, nela, meu humilde consultório?” Ela me disse que ficara sabendo pela esposa de um ex-Ministro de Finanças do Rio, que tinha sido cliente da clínica, que nós éramos de longe os melhores terapeutas da cidade do Rio de Janeiro.
Nosso trabalho não se dava em um clima agradável. Eu continuava irritado com ela e ela continuava pedante como sempre tinha sido. Após a oitava sessão, quando eu já buscava um meio de dispensá-la, resolvi adotar uma estratégia totalmente fora de qualquer práxis psicoterapêutica. Marquei sua consulta para o sábado, justamente o dia em que eu  e meu sócio estaríamos pintando a clínica. Quando minha cliente chegou, a secretária veio esbaforida comunicar-me o fato. Tinha os olhos arregalados de susto, pois eu estava de calção somente e todo sujo de tinta. Além do mais, estava muito suado. Mandei que a moça introduzisse a distinta dama no meu consultório e deixei que me aguardasse por cinco minutos. Ela detestava esperar. Então, no estado mesmo em que eu estava, suado, somente de calção e respingado de tinta, fui ao seu encontro. Jamais vou esquecer-me do olhar de susto e asco que a mulher me lançou. Sorrindo, intimamente satisfeito, pedi-lhe desculpas por estar daquele jeito e lhe comuniquei que devido àquilo, ia sentar-me no chão. Fiz isto de propósito, para colocá-la fisicamente, exteriormente, no pedestal social em que ela vivia trepada psicologicamente. Aquela sessão durou duas horas e trinta minutos e quando terminou a dita senhora tinha chorado todo o pranto que jamais deixara seu ser chorar. E nunca vou-me esquecer do abraço carinhoso que me deu em despedida e de suas palavras. “Quando o vi entrar sujo, nu e suado, tive nojo do senhor. Agora, não vejo o “gari” que vi inicialmente, mas o doutor inigualável que me deu a maior lição de minha vida. Obrigada. O senhor merece a fama que tem”.
Nunca mais ela chegou à nossa clínica coberta de ouro nem mais veio de chofer particular. Sua terapia durou três anos e anos depois, quando voltei ao Rio de Janeiro, soube que ela continuava a ser uma pessoa adoravelmente simples, discreta e feliz. E que continuava a falar de mim para quantos conhecia, lamentando que nós tivéssemos deixado de clinicar.
Ela aprendeu a se desvencilhar do apego escravizante do Espírito.
A segunda: O Gerente Geral para a América do Sul de uma multinacional da saúde no Brasil marcou entrevista clínica comigo. Seu horário era o último, o das 22h. A clínica, agora, estava em um prédio na Rua Conde de Bonfim, próximo à praça Saenz Peña, no Rio de Janeiro. O homem, um mulato alto, bem vestido, adentrou meu consultório estendendo-me autoritariamente a mão  apresentando-se espetaculosamente: “Prazer, doutor. Sou o Gerente Geral da X para a América do Sul...”. Eu não aceitei sua mão estendida. Em vez disso, disse-lhe com voz fria: “Por favor, Sr Gerente Geral, dê meia-volta e vá embora. Eu não trato de Gerentes Gerais. Gerente Geral é um cargo em uma empresa e cargos não sofrem de distúrbios emocionais. Pode se retirar, faça o favor”. Impossível descrever a confusão emocional que a face do homem me comunicou. Foi do susto à insegurança e desta à raiva. Com um gesto brusco, rodou nos calcanhares e atirou-se pelo curto corredor pisando forte. Fechei a porta e tratei de juntar minhas coisas para ir embora. Quando já me encaminhava para a porta do consultório, eis que o homem abre-a e me estende a mão: “Boa-noite, doutor. Sou Fulano de Tal e preciso de sua ajuda”. Sorri para ela e o convidei a se sentar. Durante nosso trabalho ele me disse que já havia feito tratamento com os melhores PhD dos EUA e da Europa e somente eu o fizera despir-se da couraça de seu cargo.
Aquele Gerente Geral da Multinacional da Saúde no Brasil aprendeu, durante os dezoito meses em que ficou em terapia antes de ser obrigado a ir para os EUA, a se desfazer de seus apegos.
Claro que nenhum dos dois clientes dos exemplos citados tinha como objetivo safar-se da Roda das Encarnações, logo, seus desapegos tinham um limite de segurança social. Contudo, aprenderam a viver mais felizes do que jamais tinham sido.
Quero afirmar, aqui, que a prática do desapego é emocionalmente perturbadora e psiquicamente dolorosa, pois vai mexer com necessidades profundas, enraizadas em distúrbios psicoemocionais de raízes ilusórias nos folkways e mores sociais. Entretanto, vale a pena. Então, volto a frisar: desfaça-se de tudo o que seja dispensável, inútil, supérfluo em sua vida. Faça sito devagar e sentindo a     “dor” do ato de desapegar-se. Mantenha consigo o mínimo necessário para seu viver confortavelmente. Você não precisa chegar ao ponto de ir pedir esmola e só se alimentar da comida que alguém lhe dê, como faziam os ascetas de outrora. Isto é exagero. Daí a César o que é de César e a Deus o que é de Deus. Pratique este belíssimo ensinamento.
Considerando que cada ser humano é Deus em manifestação, então, dê a este Deus o que a Ele pertence – alegria, liberdade de ser, felicidade – e dê ao Social que Ele criou em conjunto com outros Deuses em manifestação somente o que lhe seja absolutamente conveniente dar, nem mais nem menos. Assim fazendo, vamos, juntos, regular a ganância do Mercado e mudar ao longo dos anos o futuro que neste momento se afigura negro para toda a raça humana. Vejam, a Europa não vai bem das pernas graças ao Mercado. Os EUA estão combalido e esquálido, graças ao Mercado. O mundo todo está enfraquecido e astênico, graças ao Mercado. Então, que tal mostrarmos ao tal Mercado que não é ele que manda nos seres humanos, mas sim estes é que mandam nele? Se cada um de nós aprendermos a nos desapegarmos das inutilidades, das superficialidades, das dependências psicoemocionais; se cada um de nós aprendermos a valorizar muito mais a si mesmo do que às aparências externas, então, nós aprenderemos rapidamente a ver o outro e não sua aparência enganosa.
Que assim seja e
NAMASTÊ!

2 comentários:

  1. visitem o site da simplicidade voluntária.

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  2. Obrigado pela dica. Muito interessante o Site da Simplicidade Voluntária. Seu pensamento irmana-se ao deste autor. É mais uma voz gritando no deserto...

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