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sábado, 14 de agosto de 2010

LIVRO I - CAPÍTULO 1 - ROMA


Entardecia. O ancião olhava distraidamente para o velho calvário e balançava a cabeça branca com um estranho sorriso na face. Estava longe do morro, mas sua visão, em que pese a idade, ainda era boa o suficiente para lhe ver as pedras e a desertificação. Não precisava ir lá em cima. Sabia que milhares de ossos de mortos em suplício estavam espalhados entre elas ou enterrados sob aquelas pedras. Sua casa era humilde, simples, mas limpa e bem cuidada. Um cavaleiro se aproximou e parou bem diante do velho, que se sentava em uma tora à guisa de banco. Suas costas recostavam-se no tronco da velha oliveira, de onde bebera muito óleo extraído dos frutos verdes.

O cavaleiro apeou-se e se aproximou. Sua roupa de centurião romano era nova e os adereços metálicos brilhavam à luz do Sol. Era forte, muito forte, como todo centurião devia ser.

- Lindo entardecer, não? - perguntou, à guisa de cumprimento.

- Sim, lindo. O que não é linda é a paisagem que olho...

- O calvário?

- Sim.

- Por que olhas para aquilo de que não gostas?

- Por que faz parte de minha vida. Porque faz parte do que te prometi contar... Porque teu destino, assim como o meu, está ligado àquele lugar.

- Vim exatamente para isto. E não sei a razão de afirmares que meu destino está ligado àquele lugar macabro... Podemos começar?

- Por que tu, um escriba, vestes roupa de centurião?

- O imperador cumpriu a promessa que me fez. Voltei vitorioso da guerra; então, ele me concedeu ser membro do grupo dos escribas do palácio, mas com a patente que consegui nos campos de Marte por onde andei. Sabes bem que não gosto de matar. Por isto é que me interessa tanto saber sobre a vida do tal messias judeu, que tu dizes ter conhecido. Alguma coisa me diz que Sua história deve constar da biblioteca real. Ele morreu lá em cima, não foi?

- Não.

- Não?! - O escriba centurião sentou-se ao lado do ancião. Seu espanto era sincero.

- Não.

- Mas está registrado em nossos documentos, no Palácio do Imperador, que Ele foi crucificado lá em cima. Eu vi a anotação... A comunicação de Pilatos a...

- Política, meu jovem, política - cortou o ancião olhando pela primeira vez para a face de seu visitante. O Governador da Judéia, à época, Pôncio Pilatos, não desejava ser contestado para não perder o respeito. Mas adorava o ouro dos judeus. Então, uma barganha foi feita e Ele não morreu lá em cima.

O centurião permaneceu um tempo calado, estudando cuidadosamente a face pétrea do ancião diante de si.

- Então...

- O tempo é pouco e o cansaço é grande - cortou o ancião. - Deixa-me contar-te a história toda. Não me interrompas. Somente ouve e anota. Talvez um dia alguém leia na tua letra minha história e, então, saberá a verdade. Pelo menos, a minha verdade. Quanto àqueles que te mandaram a mim... Bem, a esses, o esquecimento eterno. E não te espantes. Sei que não vieste por tua livre vontade, mas sim porque há políticos que temem que eu abra a boca e conte o que não desejam que seja contado. Temem que minha história dê forças à nova religião que está ganhando cada vez mais espaço na História romana e isto deixará para trás, no esquecimento, nossos deuses pagãos. Roma anda preocupada porque o cristanismo, após vinte anos decorridos da crucificação do Rei dos Judeus, ainda não caiu no esquecimento. Ao contrário, cresce cada vez mais e o que é pior, entre os romanos. Muitos romanos já se declaram abertamente cristãos e isto não é bom para o imperador Tibério. Sei bem que não desejamos passar à História como deicidas... Para tanto, é preciso apertar os discípulos do Mestre para que alterem a verdade. Um meio só existe para isto: a perseguição implacável aos cristãos. Matá-los, crucificá-los, tomar seu bens, condená-los às galés, torná-los escravos nas minas de Roma pelo mundo a fora, aterrorizá-los... Enfim, esmagar no coração de todos esta fé que Ele fez nascer e que não se apaga. Os discípulos d'Ele ver-se-ão obrigados a lançar sobre os judeus o crime cometido pelos romanos. Sei que é este o plano do Senado de Roma e de Tibério... Talvez de todos os que se sigam a ele, pois sinto que a batalha não será vencida em um só império... Ah, sim, não temo a ordem que certamente te deram e não te culparei quando decidires cumpri-la pela glória do Império...
O centurião não disse nada. Puxou dos papiros e dos pincéis e se preparou para tomar nota das palavras que o velho ia falando lentamente, ao escurecer do dia...
- Estou velho, muito velho. Minhas forças já não suportam o peso de meus músculos e ossos. O frio estranho do tempo já enregela meu ser. Tudo está, em mim, travado. Mover-me é difícil. Meu corpo reclama; nele tudo dói, graças às recordações que guarda dos combates e das brigas em que andei-me envolvendo e, por isso, quer somente ficar quieto a um canto esperando por ela... Estou beirando os cento e vinte e oito anos, o que é um assombro para os que me conhecem. Muitos poucos dentre nós, romanos, chegam a tanto. E não me lembro de ter feito nada para evitar a Magra...
Como sabes, centurião, sou descendente de uma longa estirpe de gente longeva. De meu avô, Worlkrieg, um bárbaro germânico, diz-se que morreu aos cento e trinta e cinco anos e o fez de espada em punho. Não o conheci, se não pelas palavras de meu pai, Warmukrig, depois chamado Vinicius Primus.
Warmukrig, meu pai, tinha somente dezesseis anos quando foi capturado e feito escravo por um comandante romano. Como era muito forte e um cabeça quente, foi mandado para uma escola de gladiadores com a promessa de que, se sobrevivesse por cinco anos nos espetáculos dos Circus de Roma, ganharia a liberdade. Cinco anos era uma eternidade a que muitos poucos podiam aspirar, quando se tratava de sobreviver aos combates sangrentos naquele lugar de martírio e morte. Tinha dezoito anos quando entrou pela primeira vez no teatro do Hades romano. A turba ululava. Meu pai trazia a azagaia e a rede. Trajava um capacete que lhe cobria toda a cabeça e o rosto e isto não tinha outra finalidade que não a de ocultar dos assistentes as feições às vezes infantis dos que eram jogados à morte para o prazer selvagem dos romanos. Warmukrig venceu os quatro combatentes e a todos matou quando o polegar decrépito de Sila voltou-se para baixo. Fez nome no Circus e o fez tanto que seu dono decidiu vendê-lo para uma afamada escola de gladiadores. Aquilo quebrava o acordo, pois o dono da escola não pensava em livrar-se de meu pai assim, tão cedo. Ele era a certeza de muitos sestércios na bolsa do ganancioso Alvércius Tércius, mais conhecido pelas iniciais A.T., marca que colocava a ferro em brasa nas pernas de seus gladiadores. Meu pai teve febre por dois dias quando foi ferrado com aquele caráter na parte interna da coxa esquerda. Mancou por mais de duas semanas, após escapar de uma gangrena que certamente o faria perder a perna e, talvez, a vida, pois ninguém quereria um gladiador perneta.
Assim como os germanos, os gauleses eram insubordinados, arrogantes e sempre prontos à luta pela liberdade. E foi em Cápua que estourou a rebelião deles, liderada pelo escravo trácio chamado Spartacus, um homem a quem não se fazia curvar os joelhos. Ele era da escola de gladiadores de Cápua, na Campânia, e se rebelou devido aos maus-tratos que recebiam os gladiadores daquela escola, pertencente ao lanista Lêntulo Batiato. Um frenesi tomou conta quase incontinente de todos os que eram obrigados a matar para divertir e meu pai liderou, por sua vez, a rebelião na escola A.T. Dos duzentos e trinta homens que eram treinados ali, somente oitenta e sete conseguiram escapar com vida, entre eles o meu pai. Foram todos juntar-se ao, agora, líder dos rebelados, Spartacus, o trácio. Foi entre os revoltosos que Warmukrig foi curado por um homem idoso, caladão, forte como um touro, peludo como um urso e de olhar penetrante como uma lança. Seu nome era Vercingix, o druida. Era gaulês e conhecia de ervas como ninguém. Um dia, ele e Warmukrig se desentenderam por causa de uma bela rapariga hebréia, também ela escrava fugida, e se engalfinharam num combate furioso. Eram dois ursos pardos enlouquecidos e ninguém ousou intervir para os separar, nem mesmo o temido e respeitado Spartacus. Dizem que a briga começara cedo, quando o Sol ainda se espreguiçava por detrás do Vesúvio e só terminou quando os últimos raios do Astro Rei avermelhavam o céu do entardecer. Os dois caíram de cansaço e foi necessário mais de dois dias para que se recuperassem. A partir daí respeitavam-se mutuamente, mas nunca mais se falaram. A rapariga deu preferência a Vercingix e isto deixou meu pai muito triste e arredio.
Os escravos revoltados eram valentes e grandes lutadores, mas não eram soldados; não tinham o conhecimento das táticas de guerra como as possuíam os romanos. Mesmo assim, por três anos deram grandes dores de cabeça ao Imperador de Roma. Agora, já eram mais de sete mil almas em euforia. Assaltavam as caravanas que se dirigiam a Roma e pilhavam de tudo. Vendiam para comerciantes vindos das mais diversas partes do mundo, principalmente para os comerciantes lágidas, que dominavam o Egito; e para os Selêucidas, cujo império ia da Ásia Menor até o Indo, e pensavam já em fundarem uma cidade só deles. Organizavam uma incipiente força de defesa, sendo Spartacus o seu general e meu pai seu vice em comando. Mas Roma era Roma, a senhora do mundo. E não o era à-toa. Desde Cipião Emiliano, uns 222 anos antes dos acontecimentos que realmente me intessam narrar-te, a cidade crescera e os romanos se espraiaram pelo mundo a tudo conquistando e a tudo romanizando. A coisa começou de verdade quando Marcelo ocupou a Gália Cisalpina e nela impôs o seu jugo. A partir de então, a Gália Transalpina tornou-se a meta e logo foi aliciada através de uma aliança com a colônia focense de Massília. Esta colônia estava prisioneira das tribos bárbaras dos alobrogos e dos avernos. Estes, eram povos aguerridos e sanguinários, que atacavam as colônias fracas e desprotegidas para raptar suas mulheres, saquear seus parcos haveres e fazer escravos os jovens em idade produtiva. A guerra foi renhida e muita gente morreu nos campos de batalha, mas o sábio Marcelo não dizimou os bárbaros. Ao contrário, conservou-lhes os territórios e os deixou em relativa independência, cerceando-lhes, contudo, a fúria escravagista. Com muito tato político e transformano os bárbaros em aliados, Marcelo estendeu-lhes os territórios para o Oeste, até as faldas dos Pirineus, onde edificou a cidade de Narbona e formou a província da Gália Narbonense. daqui viria o poderia fantástico de Roma.
- Como amealhaste tanto conhecimento histórico sobre nosso povo, ancião?
- Já fui um dignitário da corte, meu amigo centurião. Já tive acesso a muita coisa considerada secreta pelos donos do Poder em Roma. E, acima de tudo, já fui um grande comandante das coortes romanas pelo mundo a fora. Isto fez de mim um homem tanto vivido quanto instruído. Mas deixa-me continuar.
- Está bem, desculpa-me. Continua, pois.
- Até o nascimento da Gália Narbonense não havia propriamente dito um império romano. Havia, sim, generalíssimos que lutavam e venciam gueras aqui e acolá, acumulando experiência em comando, em táticas marciais e em política de dominação. Além disto, formavam um povo de têmpera de ferro, homens destemidos e sempre prontos para a batalha com olho no botim. Quem estivesse ao lado dos italianos conquistadores tinha grandes perspectivas de riqueza e poder. Isto era uma isca irresistível.
Finalmente, como tinha de ser, dado o tamanho dos territórios conquistados espalhados pela África e transformados em províncias de Roma, começou-se a fazer a organização destas províncias de forma que um poder central as dirigisse e estabelecesse as Leis que deveriam ser obedecidas por todos. Roma já era uma cidade populosa e para onde convergia de todas as partes o comércio do mundo. Naturalmente foi a cidade escolhida para a sede do governo que se iniciava. As províncias não eram tratadas com a mesma liberalidade dispensada aos aliados de Roma. Ao contrário, a elas foi imposto o pagamento do tributum que incidia sobre os bens particulares dos que tinham posses. O dinheiro arrecadado pela coleta do tributum fez a riqueza e a felicidade de muitos cidadãos romanos. E também lhes despertou de modo assustador a cobiça e a ganância. O tributum era uma espécie de dízimo recolhido a título de vectigal e pago na maioria das vezes em dinheiro vivo. Era recolhido não só dos que, nas províncias, tinham bens e fortuna, mas também sobre os direitos alfandegários, os pedágios nas estradas e sobre tudo o que os Administrasdores Provinciais, nomeados por Roma, extorquiam das cidades que administravam. Tais administradores tinham o direito absoluto e ilimitado de requisição sobre os provincianos e exerciam com a maior plenitude o Imperium, isto é, exerciam todos os poderes - administrativos, legislativos e executivos. Um administrador era, em sua província, uma espécie de Rei Absoluto. A doutrina entre eles era a de que em um país conquistado, tanto o domínio público quanto o privado pertenciam ao Estado, de modo completo e inconteste. Os impostos fixos eram recolhidos pelos publicani, uma corja de sanguessugas sem princípios e movidos pela ganância e pela corrupção. As populações conquistadas vivam em um verdadeiro inferno, pois de um lado eram atacadas feerozmente pelos publicani - odiados por todos em todas as partes, a ponto de as casas dos que tinham posses serem permanentemente guardadas por mercenários pagos a peso de ouro. Do outro lado, pelos procônsules que buscavam enriquecer o mais rápido possível para poderem garantir bons empregos a seus descendentes, pois um bom emprego em Roma custava muito dinheiro. No Senado, tudo era vendido, até a honra. O ideal do cidadão romano era consegir fazer carreira na Política e ocupar uma cátedra no Senado. Era a glória para qualquer um, mas chegar lá era um feito hercúleo. A política exigia rios de dinheiro e só os Senadores podiam ser nobiles e só os nobiles tinham empregos públicos de destaque. As cátedras eram passadas de pais para filhos, pois, como descendentes de ricos, estes eram os candidatos naturais aos assentos vagos. Um general que se distinguisse em uma guerra de grande importância ou que houvesse agido corajosamente em defesa da cidade, este, sim, tinha alguma possibilidade de ser indicado para um emprego de destaque no Senado e, com o tempo e bons padrinhos, até mesmo ocupar uma cátedra naquela casa do Poder, altamente venal.
- O senhor quer mesmo que eu anote isso? Os Senadores lerão o que eu lhes levar e tenha a certeza de que não gostarão nada do que está dizendo. O senhor coloca às claras, de modo muito cru, os meandros do Poder em Roma...
- Não me intimidam. Agora, deixa-me continuar, pois meu relato é o único meio de se retificar erros grosseiros colocados na História por escribas corruptos. Desde o princípio Roma foi corrupta. E creio que seu exemplo, por alguns milênios, regerá os novos impérios que a ela se sucederão, pois não acrtedito que Roma seja eterna, como atualmente se crê. Sua filosofia política e o modo de pensar altamente venal e desprezível de seus Senadores, sim, poderão passar de geração a geração por muitos milênios e infectar muitas nações no futuro, pois eu sei que os homens têm a corrupção na alma e gostam de chafurdar na lama onde viceja esta flor maldita. Antes de Roma, houve grandes impérios, como o de Filipe da Macedônia, o de Alexandre, chamado de O Grande, o do bárbaro Temujin, mais conhecido como Gengis Khan, ou o de Nabuconodosor, na Mesopotâmia, para citar somente estes três. Todos ruíram por terra. O mal foi a corrupção e a ganância. O mal foi a perda dos limites, da decência e da moral. Mas o homem não aprende com a História e seja em que parte do mundo for, seja em que época for, ele sempre repete os mesmos erros... Talvez mais aprimorados, mas sempre os mesmos erros. Seu progesso é lento, muito lento. Somos as lesmas da evolução...
O velho parou de falar e permaneceu cismador, fitando o vazio diante de seus olhos. O entardecer continuava e a luz solar mudava sua claridade para aquele prateado místico, que lança a alma das pessoas em um estado de levitação mística. O escriba mexeu-se impaciente, pois dentro em breve a luz lhes faltaria e não poderia mais continuar escrevendo. Então, como que despertando de volta de suas recordações, o velho continuou.
- Mas voltemos ao que nos interessa. Roma tornou-se a mais rica cidade da época. e o dinheiro fez que se tornasse avara. Como uma gigantesca sanguessuga, ela pilhava, afogando em rios de sangue as revoltas dos dominados espoliados. E enquanto aqueles choravam seus mortos, os cofres romanos inchavam com ouro, jóias e pedras preciosas às toneladas. Por volta de uns cem anos antes dos acontecimentos que me interesso em narrar, Roma já estava tão rica que se deu ao luxo de dispensar seus cidadãos do pagamento de impostos. O que recolhia dos subjugados era mais que suficiente para saciar a sede dos cidadãos romanos.
A riqueza logo se fez visível nas vilas luxuosas que explodiam por todas as partes da cidade que, agora, era uma admirável e invejada metrópole. Casas, verdadeiros palácios, eram construídas todas em mármore trazido de lugares tão distantes quanto Carrara e exibiam jardins que só podiam ser igualados pelos que se imaginava existirem no Olimpo. O algodão e o linho nas vestes foram substituídos pela seda que vinha do outro lado do mundo através da Índia e pelas mãos dos comerciantes, principalmente dos árabes, grandes caminhantes e um povo com incrível tino para a exploração deste ramo de negócios. Entre os hebreus, os hierosolimitanos, os judeus e os samaritanos eram as tribos que mais contribuíam com mercadores, embora esse povo, os hebreus, não fosse chegado ao comércio. Eram mais de pesca e do pastoreio.
As vilas dos mais abastados cidadãos romanos - e era difícil dizer-se quem eram eles entre os ricos e poderosos - tinham estátuas gregas encomendadas a famosos escultores daquelas ilhas. As baixelas eram todas em ouro e finamente trabalhadas por artesãos pagos regiamente, pois havia disputa entre os nababos na exibição de suas peças durante as festas que faziam dar para ostentar suas riquezas. Os capitéis das colunas custavam verdadeiras fortunas e tinham os desenhos tanto de origem egípcia quanto grega, siríaca turca ou indiana. O fútil transformou-se no indispensável. A ostentação de exuberância e fausto tornou-se tão exagerada que foi necessário a edição de Leis Suntuárias, que se destinavam a restringir o abuso. Em vão. A trapaça, a extorsão, o assassínio, a traição, enfim, tudo o que de mais ignóbil pode a riqueza sem limites despertar na alma humana fazia nascer do dia para a noite, nos ricos que dominavam e estorquiam os milhares e milhares de pobres e miseráveis que cresciam na cidade, graças à migação do campo, uma avareza descontrolada e desenfreada. E isto vinha ocorrendo porque, devido à tomada dos fartos celeiros da Sicília e da África do Norte, o preço do trigo despencou tanto que não era mais viável para o camponês romano cultivá-lo comercialmente. Assim, eles invadiam as cidades e, com destaque, Roma, passando a residir em cortiços de dois, três ou quatro andares, vivendo do mercadejamento de bugigangas e de objetos roubados. Mercadejamento levado a efeito nas praças, nas ruas e nos mercados públicos e exigindo, em troca de seus apoios a políticos, que lhes fossem dados pão e jogos circenses.
O velho silenciou. A luz solar estava no fim e era difícil enxergar-se, agora.
- E então? - encorajou o jovem centurião, ansioso. Parecia gostar de ouvir aquele história, pois ela lhe era desconhecida e falava de uma época tão distante para ele que lhe parecia algo fantástico. Entretanto, seu olhar era duro e dava a impressão de que escondia algo atrás de suas pupilas negras...
- Agora, Roma é uma cidade em descenso - voltou a falar o ancião, cuja voz já denotava cansaço. - Suas guerras são poucas e quase sempre Roma sai perdendo...
Novo e prolongado silêncio. O centurião voltou a exclamar com voz profunda: "E então?" O velho o olhou inquiridoramente em silêncio. Mas finalmente falou.
- E então tu vais para tua casa e eu me recolho. Morfeu já nos chega e é hora de nos prepararmos para recebê-lo.
Ainda que contrariado, o jovem militar levantou-se e cumprimentou respeitosamente o forte ancião. Este lhe respondeu apenas com um aceno suave de cabeça e permaneceu olhando a figura centáurica que desaparecia ao longe, envolta na poeira da estrada.
A noite chegou de mansinho e o ancião permanecia olhando para a estrada vazia. Com semblante triste e olhar pesado, de olhos úmidos, levantou-se enfim e entrou em sua casa simples. O véu negro da noite espalhou-se sobre a Terra e esta entrou a dormir. O ancião levantou-se e também entrou em casa. Só o silêncio envolvia, agora, aquela planície e a silhueta da casa logo foi engolida pela escuridão de uma noite sem lua.
Os pirilampos, estes milenares companheiros das noites serenas, piscavam silenciosamente voejando na campina. Seu vôo era musicado pelo trilar dos grilos e o zumbido dos mosquitos noturnos. A fraca luz de uma lamparina brilhou por algum tempo dentro da casa singela. Então, apagou-se e tudo mergulhou na magia da noite...
(Este é o início do primeiro livro de uma seqüência de seis que pretendo escrever sobre Yoshua bar Yoseph, mais conhecido como Jesus de Nazaré. A base será toda calcada na História e nas pesquisas levadas a efeito por historiadores, religiosos pesquisadores e paleontologistas que vêm tentando trazer luz sobre a vida do misterioso profeta e Rei. As citações históricas são, todas, verdadeiras. A trama e alguns personagens, contudo, são fictícios. Se você gostou de meu estilo, até que eu possa concluir ao menos o primeiro volume desta saga, leia minha outra saga, esta menos sagrada, intitulada A SOMBRA QUE VEIO DAS SOMBRAS. Você vai encontrá-la no endereço:

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