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quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

SOMOS TODOS PSICOPATOLOGICOS, DESDE NOSSA ANCESTRALIDADE

Sándor Ferencz
Se você quiser gritar contra isto porque se enquadrou neste “todos” não o faça comigo, mas com Sigmund Freud, Sándor Ferencz, Pierre Fédida, Tosta Berlinck e outros adeptos da Psicanálise e da Psiquiatria. É deles a afirmativa que encima este artigo. Entretanto, quando se trabalha em consultório de psicoterapia por 18 ou mais anos e se continua pela vida a fora a observar e a ler sobre a estrutura misteriosa do Ser Humano, chega-se a intimamente concordar com estes senhores.
Sim, eu acredito que sejamos psicopatológicos, mas não posso nem concordar, nem discordar da tese em que se fundamentam os referidos senhores, acima citados, para elaborar suas teorias da psicopatologia. Assim sendo, eu os “ouço” com atenção, mas com reserva. O livro de Berlinck, “Psicopatologia Fundamental” é, para quem tem convicções muito fortes totalmente contrárias ao que ali é colocado, difícil de “engolir”. No entanto, no frigir dos ovos, temos de concordar num ponto: ao menos nesta sociedade que estudamos desde quando surgiram os livros de pesquisadores, historiadores, antropólogos e afins, a raça humana é patologicamente doente. Não é redundância, não. Conforme esclarece muito bem o Dr. Berlinck, PATHOS, vocábulo grego, na língua brasileira tem muitos significados. Pode ser doença, pode ser dor, pode ser sofrimento. Por extensão, também pode significar apatia, depressão, tristeza, melancolia, angústia etc... Por isto, com muita freqüência estes estados de espírito são enquadrados na designação patológicos.  Já o vocábulo LOGOS também tem uma boa gama de variação de significados em nosso idioma. Pode ser som, palavra, verbo, fala, espírito, discurso. Psicopatologia é mais bem entendido quando é traduzido como “O discurso da dor ou do sofrimento psíquico”.

O psicoterapeuta vive a vida mergulhado e chafurdando nas “sujeiras” das vidas de outras pessoas; nos seus “pecados”; nas suas “taras”; nas suas “vergonhas”; nos seus “vícios morais”; nas suas “doenças sexuais”... Enfim, ele vê constantemente no outro sua própria miséria. E termina por descrer da Sociedade, pois ela é, por sua própria Natureza, uma entidade criada para ser mantida através da Mentira. A mentira é a entidade social que nasce com a gente, cresce com a gente, acompanha-nos a todos os lugares que vamos, entra em nossa casa pela televisão, pelo rádio e pela Internet e é a única companheira fiel, aquela que nos acompanha ao cemitério e ali permanece até a última pá de terra.

Mas a Mentira não pode ser tomada como aquilo que é contrário à Verdade. Isto é um erro. Do ponto de vista jurídico, a Mentira está muito mais relacionada com a intenção do mentiroso do que gramaticalmente voltada para se opor à verdade. Muitos mentem porque têm a intenção de enganar e, com isto, tirar vantagem, auferir lucro ou algo similar. Na Sociedade Humana há outras classes de Mentira, às quais chamam de Mentiras Institucionais, aquelas que são usadas pelos políticos, pelos administradores de empresas, pelos programas de governo e pelas instituições internacionais. São mestres da Mentira Institucional os embaixadores, por exemplo, e os Chefes de Estado. Há situações em que a Verdade nua e crua seria a causa do próprio Armagedon. Então, a Mentira Institucional é um lenitivo, um meio intermediário para evitar o pior. Há, ainda, a mentira caridosa, aquela do médico que procura evitar dar uma notícia que seu paciente consideraria insuportável. Santo Agostinho, respeitado filósofo da Igreja Católica, dizia que: “Quem enuncia um fato que lhe parece digno de crença ou acerca do qual forma opinião firme de que é verdadeiro, não mente, ainda quando o fato que relata seja falso”.
Mas mentir é patologia, no sentido de que é um discurso sobre a dor, o sofrimento humano. Seja qual seja a intenção por detrás da Mentira, esta sempre tem como direcionamento escapar à dor; fugir ao sofrimento. E quando a pessoa se vê aprisionada nas malhas dos significados de termos como “sujeira moral”; “pecado”; “tara”; “vergonha”; “vícios morais”; “doença sexual”  e outros, então, a Mentira é sempre um ato demasiadamente doloroso.
O psicoterapeuta, ao longo dos anos, desgasta dentro de si os significados sociais destes termos. Ao correr dos anos ele termina por aprender a enxergar o indivíduo que existe encolhido, apavorado, diante de um mundo de conceitos vazios de significação real. Lixo social que, jogado sobre a Pessoa, faz que afunde no terror de se ver “revelada”, “escancarada” diante dos juízos maldosos de seus semelhantes. Semelhantes que esquecem SEMPRE que não devem atirar a primeira pedra, pois com toda a certeza antes daquele que julga agora, já cometeu “pecado” semelhante ou pior que o dele. E quanto mais feroz se mostra aquele que deseja apedrejar, mais intensamente está em psicopatologia, isto é, está sofrendo seu discurso interior sobre sua própria miséria.
Depois que exercitei a psicoterapia por longos e doloridos anos, passei a ser um iconoclasta dos clichês sociais e, por isto, quase sempre escandalizo os que me ouvem. Sou instrutor de Tai-Chi-Tchuen e quando, ao final do treino, reúno meu grupo para lhes falar sobre a filosofia do TAO, quase sempre escancaro as mazelas e os vícios que aterrorizam as pessoas. Falo sobre o sexo, a cópula, as dificuldades dos homens e das mulheres no ato sexual coital em plena praça pública e em voz altissonante tal e qual falo sobre o feijão-com-arroz que como diariamente. E faço isto porque noto o quanto incomoda aos iniciantes ouvir sobre temas que ecoam em seus íntimos justamente porque trazem em si a Mentira do Existir Social. Uma vez uma mulher me disse: “Você é como um furacão. Entra na vida dos outros, revira tudo às avessas e cria o maior caos. A gente fica tonta, envergonhada, às vezes enraivecida, outras vezes humilhada e muitas vezes totalmente desnorteada e desamparada. Mas ao contrário do furacão, quando você se vai a gente verifica que se foi depois de nos ter rearrumado e deixado tudo maravilhosamente muito melhor do que era. Pena que a gente só vê isto depois que você se foi. A saudade que você nos deixa, meu amigo, jamais vai embora”.
 Não sou uma pessoa rude ou grosseira. Nunca fui. Desde criança — e isto meus irmãos e minhas tias podem atestar, se o quiserem, aqui mesmo — sempre busco amenizar o ambiente, principalmente quando vejo que seu desfecho caminha para resultados nada agradáveis. Detesto tensões, detesto brigas, detesto mexericos e disse-me-disse idiota. Tenho como marca registrada de minha Identidade ser tendenciosamente misantropo. Não gosto de aglomerações e se for a uma festa numa casa onde haja uma biblioteca, logo, logo, vão-me encontrar ali, bisbilhotando os livros ou lendo um totalmente desligado do ambiente “alegre”, “descontraído”, onde todos comem, bebem e dão vazão às suas tensões com piadas, gargalhadas e “brincadeiras” que me incomodam. Com algumas de minhas companheiras este meu modo de ser foi causa de fortes desencontros. Elas eram o contrário de mim. Comunicativas, gostavam imensamente de participar de festas e de encontros sociais, o que eu buscava evitar. Tenho outro defeito em minha Identidade: sou danado de teimoso. Não sou um teimoso briguento, escandaloso, não. Sou o teimoso que faz o que se determina em silêncio e tenazmente, ainda que os outros me critiquem e até se aborreçam comigo por causa disto. É preciso uma boa argumentação para fazer que eu desista de um propósito. Na força, na marra e no grito ninguém consegue nada comigo. No máximo, minha indiferença e é só. E quando estou em teimosia, silencio. Eu me fecho em mutismo que para o outro é irritante e até exasperante. Mas se estou determinado a alcançar o que desejo, então, vou chegar lá mesmo que passando por cima de tudo o que estiver em minha frente, o que só farei se não puder dar a volta e evitar o choque. Esta minha característica fazia que eu entrasse em choque com minhas parceiras, quando elas eram voltadas para a noitada e as festividades. Não sou notívago e depois das 22 horas o que mais quero é cama e sossego. Isto não se coaduna com noitadas e festanças.
Não estou-me vendendo de santo,  de modo algum. Quando realmente me sinto ferido e não tenho como me defender, posso tornar-me bastante desagradável e até mesmo perigoso. Mas sempre procuro evitar chegar a este ponto. Literalmente fujo ao confronto. Até mesmo porque sou um preguiçoso convicto e todo preguiçoso que conheço detesta fazer esforço físico. Lutar impõe esforço físico e, pior, libertar o animal que há dentro de cada um de nós. Não me agrada ficar animal por um momento que seja. Sei que todos somos animais humanos e sei que a maioria esmagadora das pessoas no mundo todo vive mais animalizada que humanizada. Nem por isto tenho que marchar conforme com elas. Nem eu, nem você que me lê.
Sou um mentiroso? Claro que sim. E mentiria mais ainda se o negasse. Afinal, sou membro ativo de uma Sociedade que só existe devido mesmo à Mentira Institucionalizada. Você me diminuiu diante de seu conceito devido a esta confissão? Então, além de mentiroso, você é lamentavelmente um falso consigo mesmo, o que é muito pior. No livro de Berlinck, na página 124, lê-se: “(...) Sándor Ferenczi, exímio punheteiro que se gabava de ser capaz de ejacular lançando o esperma, já não mais seu, a três metros de distância, na vertical...”. Isto o escandalizou? Por que? Porque o termo “punheteiro” está escrito em um livro “sério”, de pesquisa científica? Ou pela simples menção deste termo “de baixo calão”? Ferenczi, ele mesmo, gabava-se de executar este feito. Logo, dizia em seu idioma, o húngaro, o que está escrito no livro de seu seguidor. Ele foi autêntico. Não mentiu a respeito disto. E ao descrevê-lo como “exímio punheteiro” em vez de “exímio praticante da automasturbação”, Berlinck não cometeu nenhuma indiscrição, visto que disse, de modo até divertido, o que o próprio Ferenczi relatava sobre seu “vício sexual”. Agora, se você é macho da espécie humana, com certeza também é e continua sendo um punheteiro. Pode não ser tão exímio quanto foi o já falecido Ferenczi; pode não ser como eu já fui, danado de apegado à punheta, mas se negar é porque é um fracote que merece dó.
O que eu quero com este artigo? Quero que você se dispa da falsa moralidade que mata a liberdade de ser das pessoas em geral. Quero que não se deixe dominar por conceitos e preconceitos vazios de qualquer utilidade e se torne um ser humano o mais livre possível consigo mesmo e com os outros. Quero que você não se julgue no direito de atirar a primeira pedra em ninguém cujo comportamento ou modo de enxergar a vida difira radicalmente de seu modo cerceado, coartado e sofrido de compreender o mundo. Quero que você, ao saber do PATHOS de alguém, não se apresse a se aproveitar disto, fazendo daquele PATHOS seu escudo para ocultar suas próprias mazelas. Quero, enfim, que você se dê a coragem de se mirar no “Espelho Mágico” (compre o livreto com este mesmo nome. Vai gostar de lê-lo) e através dele consiga a beleza de se despir diante de si mesmo(a). Seja você o furacão em sua vida. Seja você aquele que passa por si e ao ir embora deixa tudo melhor, muito melhor do que jamais foi. Enfim, quero que você exercite a coragem de SER.
Um abraço e
NAMASTÊ!

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